A maneira como se expressa verbalmente a maioria dos angoleiros e angoleiras que conheci tanto ao vivo quanto em debates na Internet, sugere que basta você praticar Capoeira Angola com um mestre verdadeiro, ou seja, um que descenda de alguma linhagem de Capoeira Angola, basta isso para que você esteja protegido pelo manto da justiça social e de suposta sabedoria milenar africana. Repito que assim parece pela maneira de se expressar da maioria dos angoleiros e angoleiras que conheci.
Acreditar que determinada prática com determinadas pessoas por si só já proporciona o conhecimento verdadeiro, nada mais é do que fanatismo ou, no mínimo, sectarismo exacerbado, para não dizer burrice mesmo. É claro que, em sendo amplo o espectro e a profundidade do conhecimento do mestre, melhor para os alunos e alunas.
E é claro, também, que a prática em si proporciona muita coisa em termos de desenvolvimento pessoal baseado no desenvolvimento do corpo, coisa de que se vale, inclusive, a própria Educação Física para justificar sua especificidade enquanto possível disciplina autônoma no campo da Educação. Todavia, o conhecimento precisa ser construído pela pessoa que treina. E essa construção requer parâmetros de vida, valores sobre os quais a pessoa possa erigir seu saber. Esses valores não dependem do estilo de jogo que a pessoa pratica nem são propriedades exclusivas dos mestres da Capoeira Angola. Falo da liberdade, da preservação da vida, da busca pela verdade, enfim, dos valores universais do ser humano.
Quando se fala em valores, porém, o cuidado maior deve ser o de drenar os conteúdos ideológicos. Isto porque muita coisa que é conhecida como valor moral ou valor cultural nada mais é do que reverberação da ideologia reinante, a ideologia dos que estão no poder de fato, daqueles que detém a maior parte dos valores econômicos do país.
A maioria das pessoas nem percebe que boa parte de seus valores lhes são impostos pela minoria economicamente dominante. Quando um mestre angoleiro cria um grupo e se coloca como presidente ou dirigente plenipotenciário e perpétuo desse grupo ou quando, ainda, esse mestre se atribui a capacidade de ser o que sabe enquanto os demais ele tenta colocar ou se assumem como os que não sabem, nestes casos, de modo semelhante ao que ocorre na escola formal, nada mais se está fazendo do que reproduzir e ajudar a perpetuação do sistema que gerou e manteve a escravidão no Brasil até os dias de hoje, se bem que atualmente ela, em geral, é disfarçada.
Então, não se enganem, meus queridos leitores e minhas queridas leitoras. Não há prática de Capoeira Angola ou qualquer outra que leve por si só à justiça social, ao reconhecimento e aceitação mútua das diferenças, enfim, à ética universal do ser humano, não. As pessoas que conduzem os treinos, como educadores que são, carregam a maior parte da responsabilidade por fazer da arte Capoeira uma disciplina centrada naquela ética. Ao que parece, toda a Capoeira, inclusive a Angola, está inserida no sistema capitalista com armas e bagagens, ou seja, prevalece a concorrência de todos contra todos e fala mais alto o dinheiro, busca-se o monopólio do saber e da linhagem, mas não se dá a menor atenção à necessidade de apoiar os mestres mais antigos para que eles não morram à míngua.
sábado, 30 de maio de 2009
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