Olá, *********,
Fico feliz em poder pensar contigo sobre nossas opiniões divergentes e/ou convergentes. Vamos rever tudo ponto a ponto.
1. Seu entendimento de que não só a ginga não é fundamental como nem é da Capoeira "...a ginga sequer é movimento de capoeira...”. E que “...A ginga consiste em um anteparo para o capoeira e num subsídio pedagógico contemporâneo a partir do advento de Bimba...”.
Seus argumentos se resumem à consideração de que a ginga é herança do batuque, o resto é pura opinião sua ou sei lá de quem. O fato é que não há contraditório em relação a minha afirmação. E seguindo sua opinião, concluiríamos que nenhum movimento é específico da Capoeira, e que, portanto, a Capoeira nem deveria se considerada como manifestação cultural autóctone.
Ora, nenhuma arte é proprietária da patente de criação seus movimentos. São movimentos humanos. Todavia, há especificidades na execução dos movimentos das diversas artes. Há encadeamentos e formas mais ou menos usuais que abstraímos para classificar as artes do corpo nas diversas categorias. Golpes de pés, mãos e cabeça, fintas, mímica, faz de conta, tudo isso vamos encontrar em diversas manifestações. Mas no Jogo da Capoeira esses movimentos são transpassados pela ginga e é por meio desse transpassar que se identifica uma movimentação como sendo da Capoeira. Observe qual o movimento que todos os alunos novos executam: a ginga.
2. Sua preocupação quanto ao uso do elemento ginga para diferenciar a Angola
Entendo válida a preocupação, pois da forma como coloquei ficou como uma espécie de teorema a consideração de que a ginga é o elemento fundamental da Capoeira e a tipificação dos jogos pela ginga seriam corolários. Mas é isso mesmo que eu quis fazer.
3. Seu entendimento de que se faz nos campeonatos do Sistema Desportivo não é Capoeira, menos ainda a Capoeira Angola. Seu argumento básico: há regras rígidas
Eu acrescento, em resposta, que as regras são, também, internacionais e que essa é uma exigência legal para se considerar que uma atividade é desportiva de rendimento. Por isso tudo, de fato, nos campeonatos não se faz a Capoeira que conhecemos por esse mundo afora. É feito um corte, realmente, e são levados para a competição elementos da arte. É impraticável levar para as quadras de esporte a Capoeira tal como ela é praticada nas ruas, praças academias, clubes e quintais. Estas Capoeiras, cujas regras são as do momento, cada um faz como quer, é um direito humano de exercitar a cultura. Todavia, não há porque não se considerar a Capoeira dos campeonatos como Capoeira, mas acrescentada do termo “Desportiva”. Não vejo impossibilidade nem demérito e todos os milhares que participam também não vêem.
4. Seu entendimento de que sendo oficial necessitam-se das regras e normas.
Tudo sob argumento de que são úteis para estrangeiros poderem entender o jogo e que essas regras e normas existem, também, para padronizar e/ou unificar.
Entendo que há uma questão contratual social, de fato, envolvendo especificação clara dos termos em que o jogo ocorre e que isto é condição necessária para se jogar. Todavia essa necessidade decorre da natureza do esporte de competição. Ele precisa ser compreendido pelas pessoas, nacionais ou não, e para ocorrer essa compreensão o jogo precisa passar dos corpos e mentes dos mestres para o papel, vídeo, revista o que for. Precisa ser comunicado de forma clara a todos os participantes. E precisa ser, também, concordado por todos. E único jeito que se encontrou até agora para fazer isso é botando as regras no papel. Acredito mesmo que com a massificação de outras formas de comunicação as regras venham a ser postas em outras mídias.
É preciso ter em mente que as regras da Capoeira existem por aí, embora não escritas. Ensinar/aprender Capoeira tem muito de isto-pode-isto-não-pode, que nada mais são do que regras não escritas.
5. Sua afirmação de que as competições de Capoeira são polêmicas.
Acredito que se trata de um processo inexorável. A Capoeira, aparentemente, não tem como escapar da sina desportiva. Afora o Sumô, as artes de luta que vi por TV e vídeos e que são lutas arbitradas ficaram reduzidas na sua beleza. Os atletas e as atletas lutam por pontos. Fazem lá um golpezinho e logo olham para a arbitragem. O Sumô, porém, é todo regrado mas funciona muito bem, talvez pela simplicidade das regras de pontuação. Muito interessante observar que é absolutamente possível a convivência da tradição com a pontuação.
Então, eu que estou dentro do Sistema Desportivo, farei tudo que estiver a meu alcance para a Capoeira manter sua personalidade descontraída, subjetivada. Entretanto, vejo que os grandes nomes da Capoeira mundial estão omissos no processo.
6. Quanto a seu pensamento de que Angola não é um estilo de Capoeira, mas Regional sim.
Bem, hoje em dia Jogar Capoeira Angola é um jeito de jogar Capoeira que difere do jeito Regional, que por sua vez pode ser diferente do jeito de jogar da Senzala que pode ser diferente do jeito de jogar Miudinho que pode ser diferente do jeito de jogar Capoeira Desportiva.
Se você quer achar que alguma dessas aí não é estilo, direito seu. Se gosta de pensar que o Jogo de Capoeira Angola que fazem os grandes Mestres da Arte é o jogo de Capoeira tradicional, direito seu. Entretanto é bom lembrar que sua opinião só pode ser considerada verdade se há fatos que a sustentem, e não parece ser o caso aqui.
7. Sua pergunta sobre chamada e passo a dois. Embora os termos possam ser intercambiáveis, entendo que o passo a dois ocorre quando os capoeiras entram em contato e se movem em conjunto. A chamada em si antecede o passo a dois que poderá ou não ocorrer, dependendo da resposta à chamada. Mas nós podemos, também, considerar toda a movimentação – chamada, passo a dois e aquela possível indicação de finalização - como chamada.
Agora, o que me intriga é como isso veio parar na Capoeira, não parece dela. Têm algo de muito parecido com o Tui Chou – pressão de mãos – que aprendi no Tai Chi Chuan. Quem saberia dizer quando, como e por mãos de quem as chamadas entraram na Capoeira baiana?
8 Sobre quais são os estilos de Capoeira e se posso dar uma definição deles?
Posso citar o Miudinho, o Senzala, o Angola, o Regional e o Desportivo com as duas vertentes. Infelizmente só me propus, até agora, a caracterizar o estilo Angola através de sua ginga com a transferência do peso à ré quando, como no vídeo . Indo por esse caminho, da caracterização pela ginga, vejo a Regional com o peso do corpo mais sobre a perna dianteira e a Senzala jogando o corpo mais adiante ainda, quase que se abaixando.
Mas não se trata de definição, ainda, mas de identificar o elemento fundamental da caracterização pelo movimento em si. Sem muita reflexão, penso que para definir o que é cada estilo desses precisaríamos recorrer às outras categorias envolvidas, movimentos básicos, seqüências típicas de movimentos, formações da roda, palmas, cânticos, baterias, instrumentos, vestimentas e, porque não dizer, as maneiras de administrar, graduações, formação de quadros de instrutores e , por último, um gigantesco congresso técnico de honoráveis para assinar embaixo da definição. Bem, é uma tarefa bem mais abrangente do que a que me propus no vídeo. Minha proposta, vejo como localizada, tem foco pequeno, embora revolucionária, como um ovo de Colombo.
9 . Relativamente a você ter visto apenas traços da Senzala dos anos 70.
Não sei exatamente em que momentos do vídeo isso ocorreu. O único lá que já treinou o estilo Senzala nos anos 80 – que considero excelente - fui eu mesmo na primeira metade daquela década. Guardo e pratico até hoje, com devoção até, as seqüências de aú-negativa-rolê, esquiva-troca de negativa-role-aú, cocorinha-negativa-rolê-au, etc. que aprendi com meu Mestre Helio Tabosa e burilei com o Mestre Japonês (Agnaldo Kawamoto). Precisei me adaptar à capoeira paraense nos anos 90 e hoje procuro compreender corporalmente esse negócio de Angola e Regional dentro do sistema Desportivo da Capoeira.
Agora, os traços que você viu não estão no movimento fundamental, mas sim na categoria seguinte, a dos básicos, que já inclui encadeamentos. Se a cocorinha fosse fundamental não poderia ser dispensada de um jogo sob pena de descaracterização dele como Capoeira. Cocorinha é movimento básico da Capoeira e não está em desuso por mim, nem pelo Sistema Desportivo da Capoeira, ao contrário, uso muito ela para brincar a Capoeira com meus amigos e ensino ela para meus alunos e oriento para usá-la em competições.
10 Quanto a ter visto um “...Quase um teatro de angola. A pantomima levada a sério....” quer dizer um simulacro pouco convincente da Capoeira angola, certo?
Pois é. Aceito essa. Você tem razão. Mas se eu colocasse ali uma bateria com os 7 instrumentos, cantadores e os jogadores com roupa comum tipo calça, camisa dentro, cinta, sapato, algum chapéu, melodia afinadinha, chamadas, um berimbau viola repicando, um tocando São Bento Pequeno, um berra boi tocando Angola, etc. e, ainda, se ninguém nessa roda estivesse mostrando a ginga para ninguém, a coisa melhorava, não é mesmo? Pois é, a ginga, digo que é o movimento fundamental, mas há os movimentos básicos e os outros e todos os demais aspectos da roda a serem considerados para dizer: aí está um jogo de Capoeira mesmo, completo, estilo A ou B.
11. Você considerar que “Primeiro, que angola (no meu entender) assim como a regional parte de movimentos ligados de ação e reação, independente do toque (cadência)”. A ação e reação têm começo e têm cortes. Ninguém é obrigado a responder desta ou daquela maneira em qualquer estilo de jogo. Então, a ligação entre ação e reação pode ser apenas temporal, pois um dos jogadores pode tomar a iniciativa para si e por meio da estratégia de seu movimento obrigar o outro a agir de maneira pré-determinada, mas isso não caracteriza apenas a Capoeira, é inerente a qualquer jogo “fintável”.
Quanto a jogar na cadência, conforme o toque, é um dos parâmetros de avaliação de jogo. Qualquer um pode quebrar a cadência, mas precisa voltar rápido a ela. Jogar dentro da cadência executada pela bateria é indicador de proficiência.
********, espero ter abordado todos os pontos suscitados por você, ainda que n’alguns minhas dificuldades sejam visíveis. Agradeço a oportunidade, e peço que se algum dia tiver tempo e paciência, critique algum outro dos meus vídeos. Detesto quando ninguém liga para a eles.
Abração
FernandoRabelo
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
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2 comentários:
EU QUERIA SABER PARA QUE SERVE A CHAMADA DE ANGOLA.E QUAL O SEU OBJETIVO NA CAPOEIRA MEU EMAIL E
duia_2008@hotimail.com
obrigado se responder
Liga de Capoeira de Valença, Obrigado por perguntar.
A chamada é um corte no andamento do jogo. O objetivo é definido pelo jogador.
Há, então, mil razões:
-armadilha, pegar o oponente desprevenido,
-acalmar ânimos exaltados,
-retomar o fôlego,
-prevenção, após acertar um traumatizante ou desequilibrante,
-colocar o oponente em situação embaraçosa,etc.
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